Eu sempre achei engraçado observar as pessoas quando telefonavam umas às outras, especialmente às que estavam distante, e começavam a conversa perguntando “tá chovendo aí?” Costume do povo da roça, acredito. É que na roça faz toda diferença se chove ou não. É bom que chova.
Muito provavelmente por grande parte da minha família ter vindo da roça, inúmeras vezes flagrei conversas que começaram com essa indagação sobre o tempo, mas, noutro dia, fui surpreendida com alguém que perguntava, com outras palavras, se chovia dentro de mim.
– Como está o clima aí dentro??—?ela perguntava para nos fazer chegar de verdade ao encontro. Fazer chegar não só o corpo, mas aquela de quem a presença realmente importa, a alma.
– Aqui faz sol?—?uma de nós respondeu, com um sorriso no rosto, indicando que o tamanho de sua satisfação interior quanto ao “aqui e agora” equivalia a uma tarde ensolarada de verão.
– Em mim, tá meio nublado, um pouco turvo?—?mais alguém se manifestou, traduzindo que, muito embora a mente estivesse serena, faltava o sol capaz de indicar o caminho a trilhar. Ou seja, faltava-lhe ânimo para a caminhada. Ânimo este que, ela dizia confiante, resgataria ali, a partir de nossas partilhas.
Subitamente, enquanto as ouvia falar e me questionava sobre como estava o tempo cá, dentro de mim, me teletransportei aos dias de infância: “olha mãe, sol e chuva, casamento de viúva”! Era o tempo que mais me deixava encantada. O tempo inesperado, paradoxal, que trazia consigo, ao fim da chuva, o arco-íris, símbolo da aliança de Deus com os homens, segundo minha mãe. O melhor dos tempos.
Pego os lápis de cor e as canetinhas dispostas em latinhas sobre a mesa e deixo a criança que ainda vive em mim brincar. Começo a desenhar (algo para que tenho ainda menos talento que pra cantar, mas pouco importa, não tenho qualquer pretensão, quer na música, quer nas artes plásticas… posso ser ingênua o quanto desejar).
– E pra você, Talita, como está o tempo aí dentro? – Chega a minha vez de falar.
– Foge à racionalidade. Principalmente para nós, adultos, treinados a pensar cartesianamente e destreinados a observar a beleza que nos cerca. Bom, ao menos eu fui treinada e destreinada assim. Não me lembro de, nem ao menos uma vez na última década, ter ficado tão maravilhada com um dia de sol e chuva simultâneos como quando era criança, em que isso acontecia com frequência. Aqui chove e faz sol. Não parece lógico que seja assim, mas, neste exato momento, não me incomoda o fato de não ter todas as respostas. Hoje eu posso descansar no caos do meu emaranhado de sentimentos e ideias, completamente em paz com as incertezas do futuro. Posso receber a vida, de braços abertos, com tudo o que ela tem pra mim.
Tempo raro… Convém apreciar, já que ele também vai passar e logo voltarei aos tempos do ora sol, ora chuva (os quais também vão passar)… convém ainda levar comigo o lembrete de não me privar do encantamento, quando os dois acontecerem ao mesmo tempo de novo. Ou quando só fizer sol. Ou mesmo quando fizer só chuva. No fim das contas, se eu souber dar tempo ao tempo, se eu souber aproveitar, se eu me permitir aprender a lição, se eu souber ser grata, sempre haverá encantamento.
E é, às vezes, é bom que chova. E eu posso até dançar na chuva…
_____________
Direitos autorais da imagem de capa: brickrena / 123RF Imagens