Hoje estou aqui pensando nos tapas na cara que já levei da vida. Alguns doeram de verdade, doeram mesmo.
Doeram e até hoje sinto como se a mão do destino estivesse novamente me acordado e me mostrado tantas coisas que eu não consegui enxergar durante minha trajetória de vida.
Um dia eu tive uma boneca; uma boneca linda que eu não largava de jeito algum. Eu tinha uns oito anos de idade, creio eu, e vivia com ela para cima e para baixo. Estava brincando na casa da minha tia na esquina de casa. Havia muitas crianças, pois éramos de família de muitos filhos.
Meu irmão caçula correu para a rua, sem que ninguém visse. Um carro freou quase que em cima dele.
Corri para fora e o vi no meio da rua. Apenas me lembro do tapa na cara que levei por não tê-lo olhado. Aquele tapa até hoje me dói pela violência como fora desferido em meu rosto. Minha boneca caiu e foi parar do outro lado.
Há coisas que atingem o psicológico e você tenta entender com o passar do tempo porque você foi escolhido para ser o patinho feio da casa, porque você foi escolhido para ser a pessoa mais rebelde do mundo ou porque simplesmente não havia tempo para gostar de você.
Aí você entra em um duelo, uma disputa a ponto de dizerem: Ou ela, ou eu. E você vai, pega um saco, coloca suas coisas, vai embora e bate na porta de quem o recebe, não o julga, cuida, costura suas roupas, alimenta e lhe dá um pouco de atenção.
Hoje passados muitos anos e depois de viver todo tipo de rejeição, em meio a sentimentos tão tóxicos, eu me dei conta de que aquela menina que levou aquele tapa no rosto, cresceu, sofreu, ouviu todo tipo de desaforos e humilhações, mas não perdeu o brilho do olhar, por veze, meio distante, silencioso, que deu um basta em tudo aquilo que estava adoecendo a alma.
Hoje estou aqui pensando em quantas pessoas se mostram tão solícitas, amigas, sem me maltratarem o espírito, sem me machucar tanto com palavras ou indiferença. Penso na minha espiritualidade, nas coisas que consegui alcançar internamente, no perdão que dei, nas vibrações que emanei, justamente por não odiar quem não me ama. Por pedir proteção e luz a um coração mais endurecido.
Viver sob o domínio tóxico de alguém é como se deixar envenenar o tempo inteiro, é como engolir a seco tudo o que o outro não soube ser, não soube dar e não quis dar e, mesmo assim. ainda o culpa de tudo que tenha acontecido em sua vida.
Certas barreiras precisam ser atravessadas e esquecidas. É preciso aprender a enfrentar certas situações, de uma vez por todas, não importando em qual fase da sua vida você está, mas é preciso se libertar sem medo e sem culpa.
Tentar agradar quem não nos ama, não resolve nada. A rejeição só aumenta nosso sentimento de vazio e insatisfação, afeta a autoestima e todas as áreas da nossa vida.
Aí você entrega pra Deus e sente que só resta mesmo a distância de quem nunca o soube querer, entender e nunca quis ouví-lo com serenidade e amor.
E você prefere viver sabendo que tudo parece um grande desafio do alto, uma grande provação e com resignação você segue, não querendo mais pra si essa coisa que lateja, machuca, espreme.
O luto é algo que se faz necessário. O tempo é o melhor remédio para o coração.
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