Você é feliz com o que se tornou?

Durante muitos anos acreditei que a vida era um planejamento reto e concreto. Nascer, engatinhar, andar, dizer as primeiras palavras, desenvolver os primeiros dentinhos, ir à escola, aprender a ler, escrever, juntar letras, depois sílabas e palavras para formar textos compreensíveis, cumprir tarefas de escola e de casa, crescer, ir à faculdade, trabalhar, casar, ter filho e ver todo o ciclo se renovar. Pareceu sempre uma equação simples da trajetória humana pelo mundo.

Para muitos, a equação perfeita. Para outros tantos, o aprisionamento. E é para esse segundo grupo que eu quero escrever baseado em minhas próprias impressões e vivências.

Por todos os lados encontramos pessoas se adequando a esse padrão social estabelecido, acredito que para atender ao politicamente correto. Acontece que a essência humana tem suas variações, sejam elas oriundas da educação familiar, da posição social, do poder aquisitivo, dos conceitos religiosos ou até mesmo do meio em que se vive. Somos mutáveis, mas nos negamos a isso para não fugir do padrão. Ser quem se quer de verdade pode magoar entes queridos, pode ferir valores que não são nossos, mas que abraçamos ao longo da vida. Vivemos muitas vezes para ver os outros felizes. Não que isso seja de todo errado, mas esquecemos também da nossa fatia. Nos abrigamos, nos acobertamos e nos sabotamos. Vamos caminhando por essa estrada sem grandes emoções, que conduz ao que se espera de nós. Há um desejo gritante no peito de dobrar a próxima esquina e partir numa direção indefinida, aquela que clama na alma, que pulsa na veia, o desejo ardente de viver algo novo, diferente. Paramos, pensamos, num ímpeto queremos dobrar, definitivamente essa não é a vida que queremos, mas nos impomos seguir reto. Ainda não foi dessa vez.

Mudar traz dor. Sim, mudar traz essa dor dilacerante que rasga a alma, mas é preciso. Quando nos encurralamos em um estilo de vida ao qual não pertencemos é preciso arrancar a couraça e enfrentar os infortúnios.

Se essa é a decisão, dói, dói muito, mas momentaneamente, tal como o dedinho batido na quina do armário. Gritamos, esperneamos, praguejamos, mas sabemos que o dedinho está ali, que em breve se recuperará. Somos assim também, parece que o mundo vai desabar, as pessoas vão julgar, a família vai abandonar. Isso tudo é fruto do medo e da culpa. Elementos impostos desde o princípio da criação. Somos criados para sentir culpa. Medo de transgredir e não corresponder às expectativas alheias. Nada disso. Independente das escolhas, o tempo sempre será o melhor remédio para dar cor aos dias nublados. Independente das nossas razões, esse passo é libertador e transcendental. Uma profissão nunca desejada, um casamento falido, uma cidade nunca amada, não importa o gatilho motivador. Cada um sabe a intensidade da dor que aquilo provoca e é fato que dói muito mais permanecer que mudar. É preciso entender que não somos responsáveis pela felicidade de ninguém. Contribuímos, mas não somos responsáveis. Nossa caminhada é solitária, não a social, a que nos faz estabelecer amizades e relacionamentos, mas a da felicidade. Façamos então uma caminhada digna.

Renascer…

A retirada dessa máscara a que nos impomos durante um grande período da vida traz consigo o renascimento. Nos descobrimos, nos aceitamos, passando a nos amar pois certamente pela primeira vez nos reconhecemos. Identificamos uma roupagem nova para a alma que reflete no corpo, na forma de conexão com o mundo e com as pessoas. Há um brilho diferente, especial, feliz. Talvez não tenhamos mais aquele super salário, mas temos boas horas de sono. Talvez não vejamos mais as pessoas vizinhas, mas a distância cria possibilidade de visitação e comunicação mais frequente (é incrível como a saudade aproxima as pessoas, bem mais que quando muito presentes), talvez alguém torça o nariz quando passarmos, mas como é bom receber aquele olhar de luz de quem amamos, talvez e muitos talvez podem surgir, mas renascer é isso, é ser feliz porque se fez, porque se arriscou, porque se jogou na vida, ainda que o talvez permeie nosso pensamento vez ou outra. Imagina se fosse o contrário? No leito de morte. Nosso pensamento flutuante…Talvez eu fosse feliz se tivesse renascido, mas é tarde, estou morrendo.

Então… renasça.

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Direitos autorais da imagem de capa: narapornm / 123RF Imagens

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Ane Constancio
Meu nome é Ane Constancio. Mineira de Belo Horizonte, graduada em administração, trilheira e montanhista, fotógrafa por amor, vegetariana e amante da natureza e dos animais. Viajar e conhecer novas culturas é o que me faz verdadeiramente feliz. Apaixonada por livros, vinhos e uma boa prosa. Escrever é colocar em palavras as multifacetas da alma.

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