De Paul a Beth.

Ligo o carro buscando um lugar seguro para ir. Coincidência ou não, a voz de  Paul McCartney se faz presente com os primeiros acordes da canção. Sua voz macia começa a cantar para mim: “Yesterday, all my troubles seemed so far away”.

Zum, a flecha vai direto ao coração. Como assim? Quem estava me espreitando para saber qual música me atingiria em cheio? Mensagem, sincronicidade ou apenas coincidência?

Não consigo tirar o carro do lugar. Abraçada ao volante, deixo-me levar pela música. Lágrimas escorrem pelas faces como um rio depois de chuva forte, impossibilitando a visão. Soluço em um choro descontrolado.

Tomo para mim a estrofe da canção, onde diz “I’m not half a man I used to be”Não sou metade da pessoa que costumava ser, existe uma sombra pairando sobre mim (there’s a shadow hanging over me). Sim, neste instante não sou metade da pessoa que costumava ser – forte, determinada, destemida. Há uma escuridão à minha volta. As lágrimas continuam a escorrer sem freio, aos borbotões.

Cadê aquele amor que me/nos preenchia?  Onde foi parar nossa calma e sensatez?

Tudo aconteceu tão rápido. Um comportamento diferente e as percepções se perderam. Uma discussão acalorada, com palavras impensadas e voz alta de ambas as partes, e o encanto da relação quebrado em milhares de cacos que jamais poderão ser juntados e reaproveitados. A pergunta que resta é: como chegamos a este ponto?

Tento respirar calmamente entre os soluços. Paul McCartney continua ali, cantarola que love was such an easy game to play (amor era um jogo fácil de jogar), now I need a place to hide away ( agora eu preciso de um lugar para me esconder) .

Quero me esconder, quero chorar. As pessoas continuam passando pela calçada. Estranham alguém chorando dentro de um carro. Olham para dentro dele e parece que enxergam dentro de mim, mas passam. Seguem, cada uma delas, suas próprias rotinas.

A vida não para porque sofremos, ao contrário. Nestas horas nos esfrega na cara que a normalidade cotidiana continua.

Meu sofrimento não muda o fato de que o resto da humanidade tem suas próprias dores, desafios, conquistas e felicidades. Eu chorando, sofrendo meus próprios horrores e a moça em frente compra repolho na quitanda como se esta fosse a coisa mais importante do mundo. Do mundo dela, naquele instante, com certeza é.

Paul já não canta mais. Em frações de segundo recomponho meus pensamentos. Chorar não vai mais me ajudar em nada. Foi preciso, mas acabou.

Seco as lágrimas, engulo o choro. A vida segue, agora em um luto romântico. Vou me recuperar. Vou juntar meus cacos e definitivamente deixarei os cacos da relação para trás.

Mudo de estação de rádio. Um segundo após, me pego rindo. Lá está Beth Carvalho me mandando a sua flechada. Em tom mais animado, diz-me firmemente: “Reconhece a queda, mas não desanima. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!”

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Direitos autorais da imagem de capa: Maxx Miller on Unsplash

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Giana Benatto Ferreira
Giana Benatto Ferreira, mediadora e gestora de conflitos. Apaixonada por gente que lê, ri, dança sozinha e conta histórias. Escritora e poeta nas horas vagas. Curi-cuiabana. Gosto de compartilhar boas leituras, filmes e cenas do cotidiano.

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