Viver e se permitir sentir: nada como um dia após o outro!
Acordei cansada, preguiça, noite mal dormida; a gata miou madrugada afora querendo sair do quarto, fui ao banheiro duas vezes, meus pensamentos não paravam quietos. Faziam duas semanas do fim do nosso namoro e nada dele aparecer.
Despertador tocou, abri os olhos e som de chuva na janela, tudo o que eu precisava era de mais cinco minutos, ou melhor, mais cinco horas nessa cama. – “É! Hoje eu não vou à academia de manhã.” Levantei, coloquei Adele para tocar no máximo e fui lavar as louças para me aquecer porque o dia não podia esperar.
– “Que história é essa de preguiça, minha filha? Quer emagrecer ou não quer?” Oh, céus, como eu posso ser terrível comigo mesma certas vezes! Larguei as louças, calcei o tênis, arrumei a mochila e fui. Tinha apenas trinta minutos no relógio e três milhões de pensamentos na cabeça. Comecei a correr, esteira no sete, esteira no nove, esteira no onze. Adele seguiu tocando, mas eu me desconectei. Não ouvia nada direito, apenas meus pensamentos que me dominavam. Feliz com a vida, triste com a vida. Saudades dele, melhor sem ele. Corria, caminhava, voava.
Segui na corrida e – “Puxa, esqueci meu sapato para ir trabalhar. Vou me atrasar e minha chefe vai me matar. Onde é que eu estava com a cabeça quando decidi vir para a academia? Lugar de gente sofrida é na cama, menina.” Mais vinte minutos, fim da corrida, três copos d´água e –
“Nossa, ainda bem que eu vim, eu me sinto ótima!” Lembrei que tinha um tênis esquecido no carro e pronto, aquele era mesmo o meu dia de sorte.
Chego ao trabalho atrasada, nariz escorrendo, pé descalço e cabelo molhado, entro na cozinha, abro a geladeira e pronto: – “Não acredito que acabou a tapioca, e agora, Tati?”. – “Acho melhor você secar seu cabelo e calçar seu sapato primeiro”- ela respondeu. Tudo bem, ela é a chefe, obedeci. Peguei o secador, procurei um banheiro e não tinha tomada. Peguei o tênis, procurei uma meia e não achei. Desisti da tapioca, decidi misturar dois ovos na banana e ver o que é que dava. Deu. Comi. Parei. Suspirei. Lembrei da preguiça na cama e quis chorar, vontade de voltar pra lá. Pra cama, pra casa, pra ele, pro colo da minha avó. Que início de dia, hoje promete.
Cheguei à recepção, sentei-me e desabafei – “Ai gente, hoje eu tô muito antissocial. Minha vida tá péssima, não tô afim de conversar.” Repeti mais uma vez esse meu mantra de dias ruins e, de novo, ninguém me deu bola. Começamos a rir, comecei a conversar. Como esse pessoal do trabalho me aguenta eu não sei, mas parece que gostam de mim mesmo assim – “devem ser loucos” conclui, respirando aliviada.
“Esse final de semana vou viajar, conhecer gente nova. Quero é viver a vida.” Olhei um lugar, uma programação, chamei as amigas e – “EU VOU”- disse a mim mesma. Fui apra minha sala, sentei no chão e comecei a chorar. Quis sumir dali. –“EU VOU é pra casa. Ainda bem que a Psiquiatra não veio trabalhar hoje, iria me diagnosticar com bipolaridade.” Eu mesma me diagnostiquei, merecia. Na frente do espelho repetia: “Deixa de ser bipolar minha filha, tá louca?” E ria, e chorava. Lembrei da minha amiga, mais louca que eu, aquela lá. “Quer saber, eu tô é bem. Vai passar.”
Fim de expediente, peguei o carro e fui espairecer. Chuva. Música. Praia. Choro. Riso. Tirei umas selfies, deletei essas selfies. Tirei outras selfies, deletei essas outras selfies. “Nossa, eu tô horrível. Hoje não está dando para me amar mesmo”. Lembrei que tinha aula de dança e fui pra lá. Dancei, agora sim que nem uma louca. Graças aos Deuses pelas aulas de dança. “Quando eu voltar para minha cidade preciso começar logo uma por lá.” Deu saudades de casa, estava cansada da vida pacata e parada do interior, e assim, decidida a voltar pra capital, chorei como uma criança, sentada no chão da aula de dança. – “Pronto, já preocupei a professora, agora já posso ir.” Levantei, fiz uma pirueta, olhei-me no espelho, comecei a rir e fui embora.
Enfim, em casa, meio sã e quase salva. A chuva já havia se transformado em tempestade, mas mesmo assim tranquilidade. Barulho do mar, cheiro de vento e ninguém para me perturbar.
“Como eu amo esse lugar, eu gosto mesmo é de morar aqui, vou ficar”. – “Miaaaaau”. – “Ai meu Deus, eu me esqueci da gata”. Ração para a Marcela, comida pra mim. Quero doce, não, quero salgado. Quero janta, não, quero uma torrada. Mingau de aveia, saudades de casa. Banho de arruda, que é pra ver se salva.
Revirei minhas fotos antigas para me lembrar da família, e fiquei pensando nos amigos para me esquecer dele. Foco na família, foco nos amigos e (…) eu me lembrei dele. Chorei, mas agora chorei de verdade. Deixei as lágrimas escorrerem de forma que não pude mais ouvir a chuva lá fora. Perambulando pela casa, chorando, fui para frente do espelho ver o horror de frente. –
“Que cara de palhaça, minha filha. Pelo amor de Deus, para de drama!” Comecei a rir, mas agora sorria de verdade. Solidária a lástima de dia que vivia, deixei o riso fazer barulho e ecoar peito adentro. Alívio. “A vida é mesmo louca, mas é linda”!
Lembrei-me de Chico César, coloquei para tocar, adormeci; “Quando chegou carta, abri. Quando ouvi Prince, dancei. Quando o olho brilhou, entendi. Quando criei asas, voei.”
E sigo voando, certa de que na vida nada mais válido do que poder se expressar e se permitir viver e sentir, sabendo que tudo passa, nada como um dia após o outro.
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Direitos autorais da imagem de capa: Brooke Cagle on Unsplash