Somos preparados para sermos medianos. Como se costuma dizer, a virtude está no meio. Até certo ponto concordo com este pensamento. Estar muito acima ou muito abaixo do peso indica algum problema de saúde. Ter ferro demais ou de menos no organismo gera doenças. Trabalhar demais ou trabalhar de menos não são bons indícios.

Por outro lado, em algumas questões mais pessoais e subjetivas, precisamos de vez em quando cair um pouco para um dos extremos. Cair em extremos é perigoso, mas por outro lado, só quem ousa, quem cria, recria, inventa e se reinventa sabe o que é ser feliz. Não existe uma grande história de amor sem um pouco de loucura. Não existe um generoso e amplo ato de caridade, sem um pouco de exagero. Não existe a criação de uma grande obra de arte ou a descoberta de uma ideia genial sem um pouco de extremismo.

Seguir protocolos faz parte da vida social. Mas às vezes precisamos dizer não ao medo de parecer ridículo, precisamos dizer não ao conformismo, ao comodismo e se lançar na vida como quem se joga do alto de um penhasco, sem saber com certeza se o paraquedas vai abrir ou não.

Quem calcula, mede e pesa tudo se protege da dor, da decepção. Mas também se protege da vida, do amor, da alegria, da genialidade. Quem só usa as roupas da moda, nunca vai criar a sua própria moda. Quem não diz nada ousado, nunca se destacará socialmente por sua personalidade. Talvez , por sermos tão medrosos emocionalmente que necessitamos nos definir socialmente pelas grifes que usamos já que nossa personalidade fica soterrada por nosso receio de quebrar os protocolos.

Quem não tenta caminhos novos, nunca sairá da mesmice. Quem se fecha para as pessoas, nunca conhecerá a inebriante sensação do amor ou o calor de uma amizade profunda.

Quem se defende demais, passa a se defender de si mesmo e perde as melhores emoções e experiências. Quem se poupa demais, costuma se arrepender no final da vida porque pior do que os erros que cometemos e as decepções que sentimos, é o vazio de uma vida desperdiçada, sem grandes gestos, sem grandes desprendimentos, sem ousadia , sem coragem, sem paixão, sem devoção, sem liberdade de ser.

Ao fugirmos da dor, do engano, acabamos fugindo de nós mesmos, do destino reservado a nós, que é experimentar os mais variados sentimentos.

Acusam os sonhadores de lunáticos, pouco realistas, gente sem senso prático. Mas o mundo apenas se transforma porque muitas pessoas agiram como “lunáticas” e sonharam e criaram e inventaram e solucionaram questões que para a maioria eram insolúveis. Sem sonho não teríamos a alta tecnologia, não teríamos a cura para diversas doenças, não teríamos a psicanálise, não teríamos formas tão sofisticadas de arte nem comodidades que facilitam tanto o dia a dia.

Sem sonho, a maior parte da população ainda seria escrava ou nem considerada seres humanos. Sem sonho, pararíamos no tempo e no espaço. Sem sonho seríamos imutáveis e talvez nem existíssemos mais. Por tal razão, da mesma forma , que muitos agradecem pelas refeições diárias , não deixemos também de agradecer sempre o sonho nosso de cada dia.

 

___

Escrito por Sílvia Marques – Via Obvious

O que você achou do texto?

Muito legal
0
Gostei
0
Amei
0
Não sei
0
Bobagem
0
Silvia Marques
Viciada em café, chocolate, vinho barato, filmes bizarros e pessoas profundas. Escritora compulsiva, atriz por vício, professora com alma de estudante. O mundo é o meu palco e minha sala de aula , meu laboratório maluco. Degusto novos conhecimentos e degluto vinhos que me deixam insuportavelmente lúcida. Apaixonada por artes em geral, filosofia , psicanálise e tudo que faz a pele da alma se rasgar. Doutora em Comunicação e Semiótica e autora de 7 livros. Entre eles estão "Como fazer uma tese?" ( Editora Avercamp) , "O cinema da paixão: Cultura espanhola nas telas" e "Sociologia da Educação" ( Editora LTC) indicado ao prêmio Jabuti 2013.

Responder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *