Quando Marco Nanini descreve o processo de construção de seus personagens dá a impressão de que estamos diante de um artesão, não de um profissional dos palcos.
A atenção às emoções em cada frase, a forma como se relaciona com os colegas e o ambiente, o uso minucioso da postura e do corpo. Após constatar tanto cuidado com os detalhes, fica mais fácil compreender como, ao longo de 58 anos de carreira, ele se tornou um dos maiores atores da história do País.
Já faz tempo que Nanini merece uma biografia. Quando fez 70 anos, o artista nascido no Recife, em Pernambuco, decidiu que era hora. Abriu seu baú de memórias para Mariana Filgueiras, que durante quatro anos o acompanhou em gravações, ensaios e momentos ao lado de Fernando Libonati, seu companheiro há mais de três décadas. O resultado é O Avesso do Bordado, livro que conta uma trajetória sem pausas.
Desde que subiu ao palco pela primeira vez, em 1965, não houve um ano em que ele não estivesse trabalhando. A obra traz ainda episódios pessoais, das brigas com Ney Latorraca nos bastidores de O Mistério de Irma Vap ao caso amoroso com o diretor Wolf Maya. Também revela em detalhes seu processo criativo único, que inclui a inspiração no comportamento dos animais para compor seus tipos.
Nanini conta casos da dramaturgia brasileira, muitos que se confundem com a sua história pessoal. Afinal, ele passou pelo teatro de vanguarda, mas também fez besteirol.
Na TV, atuou em dezenas de novelas, minisséries e programas de humor, em diversos horários e para todas as faixas etárias. Brilhou no cinema, em produções bem sucedidas e outras nem tanto, das pornochanchadas da Boca do Lixo aos filmes de arte exibidos em festivais internacionais. É, sem dúvida, um dos mais versáteis atores brasileiros.
Mas não foi sempre assim. Segundo Mariana, Nanini demorou para ficar confortável na TV e no cinema. “No início, ele gostava mesmo era de teatro”, afirma ela. “Costuma dizer que a TV só o ganhou quando foi trabalhar com o diretor Guel Arraes.” A autora também fala sobre o seu amor pela natureza. “Ele vive cercado de animais. São muitos cães e pássaros, os tucanos vem comer na sua mão. Brinca que os bichos formam o elenco particular que o acompanha.” Nanini criou sozinho um método bastante original de trabalho.
Em seus textos, as falas são marcadas com cores, vermelho para os trechos em que precisa demonstrar raiva, azul para as cenas mais tranquilas. É um sistema que inventou para compor seus personagens, “colorir o texto”, como ele diz. Só poderiam ser palavras de um artesão dos palcos.
Parcerias que marcaram época
Direitos autorais: Divulgação/Globo
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ENTREVISTA
Marco Nanini, 74 anos
“Gosto mesmo é de mergulhar nos personagens”
Ao longo de quase 60 anos de carreira, já interpretou centenas de personagens. Há algum favorito?
Tenho carinho por todos porque conheço bem os dramas e as alegrias de cada um deles. Destacaria a Emma, de Pterodátilos, o Juca Biruta, de O Engraçado Arrependido, o Pedro, de Greta, entre outros.
Os animais lhe servem de inspiração. O que eles trazem que não encontra em referências humanas?
Não busco imitar os animais, eles servem de inspiração para determinados personagens. Busco uma postura, uma reação, um olhar. Para a novela Deus Salve o Rei, observei um falcão, pois precisava da postura imponente. Animais e crianças são espontâneos, você não consegue prever uma reação, São uma eterna fonte de inspiração para a criação.
O que é mais importante na hora de criar o persoagem, o lado emocional ou o visual?
Gosto mesmo é de mergulhar no personagem. Tento ler tudo o que posso para entender o seu universo, o seu perfil, suas dores e emoções. Quero entender quem é aquela pessoa. A construção do visual faz parte, sempre gostei de sugerir detalhes, adereços, figurinos. Como foi no caso do olho de vidro, que usei em O Auto da Compadecida.
Com tantos papéis simultâneos na TV e no teatro, como faz para lembrar dos textos?
Existem métodos distintos para isso. No teatro, você ensaia muito e o texto vai ganhando corpo. Na TV e no cinema as cenas são gravadas de forma não cronológica, então dá para decorar as falas do dia.
Qual personagem Marco Nanini não fez e ainda gostaria de fazê-los?
Os personagens que gostaria de fazer são todos aqueles que ainda estão por vir. No momento estou muito interessado no personagem que Gerald Thomas está escrevendo para mim no espetáculo Traidor.
Apesar de dizer que não gosta de se expor, sua biografia é reveladora. Por que decidiu compartilhar tantas informações pessoais?
Há alguns anos eu e o Nando (seu companheiro, Fernando Libonati) convidamos o Gringo Cardia para fazer uma biografia iconográfica, mas não realizamos o projeto. Em 2017, conheci Mariana Filgueiras e, aos poucos, criamos intimidade. Tentamos fazer uma biografia que pudesse mostrar ao público um pouco da minha história. Deu certo.