O par que subjugou uma dama em circunstâncias comparáveis à servidão por três décadas foi sentenciado a desembolsar um pouco acima de R$ 7 mil. A decisão judicial englobou uma penalidade de 2 anos de encarceramento em regime aberto, além de 10 dias-multa, culminando em R$ 506 para cada um.
Os réus, José Enildo Alves de Oliveira e Maria Sidronia Chaves de Oliveira, são donos de um estabelecimento situado no Brás, na área central de São Paulo. A mulher foi sujeita a trabalho forçado tanto na loja quanto na moradia do casal
A pena privativa de liberdade pode ser convertida em pagamento de quatro salários mínimos, sendo dois para cada réu, totalizando R$ 6.072, além da prestação de serviços à comunidade. Com as multas incluídas, o valor total chega a R$ 7.084.
Detalhes da sentença
Para esse tipo de crime, a legislação prevê penas de reclusão que variam entre 2 e 8 anos, além de multa e a pena correspondente à violência.
A decisão foi tomada pelos desembargadores André Nekatschalow e Mauricio Kato, Ali Mazloum e pela juíza Luciana Ortiz, da 5ª turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3).
Em primeira instância, a juíza Paula Mantovani Avelino havia absolvido o casal em agosto do ano passado. Contudo, o Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão, levando o caso para análise da 5ª turma.
Três décadas sob condições desumanas
Conforme a sentença, entre outubro de 1991 e 29 de julho de 2022, José Enildo e Maria Sidronia reduziram a mulher à condição análoga à escravidão, “sujeitando-a a trabalhos forçados, à jornada exaustiva e a condições degradantes de trabalho e moradia”.
No início dos anos 1990, Maria Sidronia encontrou a mulher em um abrigo e a trouxe para trabalhar como empregada doméstica em sua casa. Entretanto, a vítima nunca teve registro em carteira e residia em uma edícula nos fundos da propriedade.
Apesar de trabalhar na casa e na loja do casal das 7h às 22h, ela não recebia salários.
Em seu depoimento, a vítima relatou que Enildo frequentemente a agredia verbalmente com xingamentos como “filha da puta”, “macaca” e “nega do caralho”. Segundo ela, as ofensas eram dirigidas por motivos triviais, como a demora para abrir um portão.
Ela também mencionou que Maria Sidronia costumava filmá-la quando algo não agradava, fazendo ironias sobre seu trabalho. Era comum que ela usasse expressões sarcásticas como “olha, Xuxa dando o show dela”.
A vítima relatou que sofria constantes torturas psicológicas por parte da sua patroa, além de agressões físicas perpetradas tanto pelo homem quanto pela mulher. Em um ato violento, ela foi trancada na lavanderia, onde gritou pedindo socorro. Quando o casal entrou no local, agrediu a funcionária com “muitos tapas”.
Em um momento de raiva, Maria Sidronia chegou a arremessar uma cadeira na vítima. De acordo com a mulher, essas violências aconteciam apenas quando ela estava sozinha com seus empregadores.
A vítima mencionou que não era forçada a ficar em casa, “mas não saía porque não conhecia ninguém e não tinha dinheiro”.
Durante o depoimento, a mulher revelou que precisava trabalhar mesmo com uma lesão grave na perna, que acreditava ser uma úlcera.
Em 2017, ela foi ameaçada de ser expulsa caso falasse sobre a situação em que se encontrava.
Além disso, não possuía qualquer documento de identidade, o que é comum entre as vítimas desse tipo de crime.
Um auditor fiscal do Trabalho que participou da vistoria judicial na residência em 2022 afirmou que a mulher vivia em “prisão emocional”. “Ela tinha a chave da corrente, mas não sabia como usar”, comentou.
Batalha judicial
Em 2014, uma denúncia foi feita ao Ministério Público do Trabalho (MPT), que firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com os acusados. O acordo estipulava a regularização da situação da vítima e previa que o casal deveria fornecer um imóvel para a mulher. No entanto, esse acordo não foi cumprido.
A vítima buscou ajuda no Núcleo de Proteção Jurídico Social e Apoio Psicológico (NPJ) da Mooca, parte do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), em abril de 2022. Ela pediu acolhimento e relatou o não cumprimento do acordo.
No mês seguinte, em maio de 2022, quando uma vaga de acolhimento foi disponibilizada, os agentes do NJP foram até a residência e perceberam que o casal tentava dificultar a saída da empregada. Eles alegaram que ela havia mudado de ideia em relação à denúncia.
Em setembro de 2023, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou uma denúncia à Justiça. A primeira audiência ocorreu em março do ano anterior. O órgão confirmou a responsabilidade do casal e a ocorrência dos crimes, solicitando a condenação dos réus.
A defesa argumentou que as questões trabalhistas deveriam ser tratadas separadamente das questões criminais. Eles afirmaram que as questões trabalhistas já tinham sido decididas “com condenações pertinentes”. No âmbito criminal, o casal sustentou que não houve crime na relação com a mulher.
Casal chegou a ser absolvido
A juíza Paula Mantovani Avelino, da 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo, optou pela absolvição do casal em agosto do ano passado. A magistrada afirmou que não havia evidências suficientes para comprovar que a mulher estava realmente sujeita a uma condição análoga à escravidão.
Ela baseou sua decisão no fato de que a vítima tinha acesso livre à residência, podendo entrar e sair quando desejasse.
Assim, caso estivesse sendo submetida a trabalhos forçados, jornadas exaustivas e/ou qualquer tipo de condição degradante, poderia, na primeira oportunidade que saísse da casa, pedir auxílio em qualquer um daqueles lugares que frequentava avaliou a juíza.
A juíza Mantovani observou que a mulher levou tempo para fazer a primeira denúncia, que ocorreu apenas em 2014, aproximadamente 20 anos após o início de seu trabalho para o casal. Além disso, a vítima mencionou ter um vínculo emocional com a família, o que também influenciou a decisão da juíza.
O Ministério Público Federal (MPF) interpôs um recurso contra a absolvição. A 5ª Turma, por unanimidade, acolheu parcialmente o recurso, condenando o casal a dois anos de reclusão em regime aberto, com a possibilidade de substituição por quatro salários mínimos (dois para cada um) e prestação de serviços à comunidade.
Ainda há possibilidade de apelação. Quando questionado sobre isso, o MPF afirmou que justiça
A vítima foi encaminhada para um abrigo em 27 de julho de 2022.