Ela nasceu no subúrbio carioca, começou a cantar na igreja e sempre acreditou no inglês como oportunidade de crescimento profissional. A descrição poderia ser de Anitta, mas se encaixa também na vida da cantora Alice K, de 26 anos, que viralizou nas redes sociais com um vídeo cantando o hit “Envolver” num trem da SuperVia.
Alice ainda não faz turnês internacionais, mas a carreira dentro dos vagões não a desanima. Pelo contrário: com mais de 6 milhões de visualizações no TikTok em apenas um vídeo e 21 mil seguidores no Instagram, a moradora de Guadalupe — bairro vizinho a Honório Gurgel, onde nasceu a Poderosa — tem orgulho do trabalho nos trens e sonha com projeções cada vez maiores, como a possibilidade de cantar uma música com Anitta e o contrato com uma gravadora.
“Hoje estou buscando alguém que acredite no meu talento e no meu trabalho. Tenho orgulho de cantar no trem, mas quero a chance de alçar voos mais altos”.
Alice conta que começou a se interessar pela música ainda na infância, quando morava no Complexo do Alemão e o pai passava horas ouvindo a coleção de discos e CDs. Mas o encanto nunca foi uma pretensão de carreira.
Foi na igreja, aos 11 anos, que ela teve a primeira experiência de cantar em frente a uma plateia. Aos 16, saiu de casa e foi morar na Vila Cruzeiro. Engravidou aos 18. Alice sentia que a vida a afastava da música e foi trabalhar com telemarketing para sustentar o filho Micael.
No entanto, dois anos depois, um episódio marcou de vez a vida dela e trouxe de volta o sonho de cantar e de viver da música. Mas não de forma definitiva.
“Eu estava indo pra faculdade e entraram três rapazes no trem, que começaram a cantar. Achei incrível a apresentação deles e senti uma vontade enorme de cantar junto. Pedi, perguntei se eles permitiam. Cantei “Love never felt so good”, do Michael Jackson, e todo o vagão começou a me aplaudir. Soltei a voz. Foi uma sensação espetacular” conta Alice, que tem como ídolos, além de Anitta e do rei do pop, os cantores Bruno Mars, Beyoncé, Rihanna e Amy Winehouse: “Comecei a cantar com eles. Mas meses depois eu me separei e, na condição de mãe solo, precisei voltar a trabalhar formalmente para sustentar o meu filho. Era a minha prioridade”.
Em 2020, a demissão do emprego a fez viver mais um “vai e vem” com a música. Sem trabalho, usou o dinheiro da rescisão para comprar uma caixa de som, um microfone e um pedestal. Encarou sozinha os vagões para cantar de novo nos trens, apesar da apresentação ser considerada inconstitucional pela Justiça do Rio. A fama veio apenas em março deste ano, quando já grávida do segundo filho, foi desafiada a cantar a nova música da Anitta e acabou viralizando nas redes sociais.
“Era uma sexta-feira, estava um clima de festa dentro do trem, algumas pessoas bebendo, outras indo para festas. Eu estava cansada, voltando para casa e me pediram para cantar. Comecei com Bruno Mars, mas logo alguém levantou a mão e pediu “Envolver”, que era lançamento na época. Eu nem tinha a base instrumental dela, baixei ali na hora e cantei a parte que sabia. Um passageiro levantou e fez a coreografia, com o trem em movimento. Foi demais” conta Alice, aos risos.
O que ela não imaginava era que alguém estava filmando e que esse vídeo viralizaria nas redes sociais em menos de 24 horas. No dia seguinte já eram 50 mil visualizações no TikTok. Horas depois bateu 1 milhão. Hoje são 6,1 milhões. Até Anitta reparou na cena e chegou a postar em sua conta do Instagram. Dali para frente começaram a surgir comparações com a artista e a chamar Alice de “Anitta do trem”, “grávida do trem” ou a perguntar “a Anitta está grávida, gente?!”. Neste sábado, o vídeo dela cantando “Leave The Door Open” — música que levou quatro prêmios no Grammy Alwards deste ano —, que já chegou a mais de 100 mil visualizações no Instagram e a mais de 200 mil no TikTok, foi compartilhado pelo cantor internacional Anderson Paak, que faz dupla com Bruno Mars na banda chamada Silk Sonic.
Alice, que também canta em festas, barzinhos e eventos, conta com a ajuda do marido e empresário Gabriel Cardoso, que trabalha ainda como cantor e compositor.
“Eu já sofri muitos julgamentos. As pessoas não levam a sério nosso trabalho, acham que estamos ali de brincadeira, por sermos jovens. Já ouvi que eu ia cantar no trem para ganhar dinheiro e ir no shopping gastar, à toa” conta ela, que planeja voltar a se apresentar no mês que vem, dois meses após o nascimento de Ivar Emmanuel. “Preciso continuar trabalhando para ajudar na renda da minha família. Nesse tempo recebi ajuda de amigos, com doação de dinheiro e cestas básicas”.
Para o futuro, ela sonha em assinar um contrato com uma gravadora e também em cantar uma música ao lado da cantora Anitta, sua grande referência e inspiração.
“Acredito que tudo acontece na hora que tem que acontecer. Mas me preparei muito para isso. O inglês, por exemplo, aprendi sozinha, nunca fiz cursos. Baixava as letras das músicas internacionais e as traduções e ia estudando, em casa mesmo. Queria saber o que eu estava cantando. Acredito muito na minha profissão como incentivo a outros jovens também viverem da arte, impedindo que muitos deles se envolvam com o tráfico, a prostituição, o crime. Tem muita gente talentosa por aí”.