Em um pedido surpreendente, o Ministério Público do Ceará solicitou a absolvição do policial militar Neemias Barros da Silva, que enfrenta acusações de assassinar um jovem de 13 anos em uma residência em Chorozinho (CE).
A defesa do policial alega que ele estava sendo “atacado por um indivíduo armado em um local escuro”. De acordo com o pedido, o tiro fatal contra Mizael Fernandes Silva Lima foi disparado “sem intenção de matar”, mas sim para “repelir uma agressão injusta”.
Contrariamente, a família da vítima insiste que o garoto estava apenas descansando na cama, no quarto da casa de sua tia, onde passaria a noite.
O fato de Mizael ter sido atingido por apenas um tiro e não ter sido baleado à queima-roupa foi destacado na decisão. O MP entendeu que a cena do crime foi alterada para permitir o socorro à vítima e as evidências disponíveis não são suficientes para provar a culpa do policial.
O mesmo órgão também solicitou que as ações contra outros dois policiais presentes na ocorrência fossem rejeitadas. Alegou-se que não existem provas incriminatórias contra Luiz Antônio de Oliveira Jucá, que estava no quarto onde o adolescente morreu, e João Paulo de Assis Silva, que permaneceu do lado de fora da casa, no crime de fraude processual.
O pedido do MP apoia a conclusão do inquérito Policial Militar sobre a morte do adolescente. Ainda em 2020, o IPM, realizado pela própria polícia militar, afirmou que Mizael reagiu à ação da polícia ao aparecer armado no quarto. O MP fez sua recomendação em 15 de janeiro.
“Senso de dever cumprido”, foi como a defesa dos policiais descreveu a situação.
Em conversa com o UOL, o advogado Leonardo Feitosa Arrais reafirmou que o adolescente estava armado e que “desobedeceu a ordem de rendição”.
“Para repelir a ameaça iminente, o PM efetuou um disparo”, disse o advogado em nota.
O MP, que é um órgão estadual assim como a PM, ressaltou em nota enviada ao UOL que não há subordinação hierárquica em suas manifestações processuais. O órgão enfatizou que pediu a absolvição “por entender que [o policial] agiu em legítima defesa”.
O site da UOL entrou em contato com o órgão para obter uma declaração sobre o assunto e aguarda resposta. A Defensoria Pública também foi contatada e as informações serão atualizadas se houver uma resposta.
As versões sobre a presença de uma arma de fogo são conflitantes. Enquanto os policiais afirmam que Mizael estava armado, a família nega essa acusação e a perícia sobre o assunto é inconclusiva. No documento do MP, constam as versões de policiais militares que encontraram “apenas uma mancha de sangue no colchão” onde o menino estava.
Além disso, um perito criminal declarou que “não havia nenhum elemento que permitisse constatar categoricamente que teria ocorrido disparos naquele local”. Outras testemunhas negaram que o adolescente tivesse qualquer envolvimento com o crime. Para eles, a arma de fogo foi plantada pelos policiais militares.
Entidades expressaram repúdio à decisão. O Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará afirmou em nota que a impunidade é ainda mais forte no caso de pessoas negras e periféricas.
“Sem responsabilização, normaliza-se a violência policial”, disse o órgão. O centro também lembrou que uma das testemunhas do crime, a tia de Mizael, desapareceu em janeiro de 2023.
“Seu desaparecimento em circunstâncias ainda não esclarecidas, reforça a necessidade fundamental que os familiares das vítimas tenham suporte e segurança garantidos, para que possam seguir na luta por justiça”, afirmou.
A Defensoria Pública, que atua como assistência de acusação, afirmou que contestou os apontamentos que pediram a absolvição.
“Ressaltamos que a principal testemunha do caso encontra-se desaparecida há dois anos, uma circunstância que intensifica sua complexidade. Acrescenta-se ainda que o inquérito sobre o desaparecimento permanece sem movimentação, o que evidencia a necessidade de maior atenção ao caso”, afirmou, por meio de nota.
Relembrando o caso, Mizael Fernandes Silva Lima foi morto durante uma operação do Comando Tático Rural em Chorozinho (CE).
O crime ocorreu em 1º de julho de 2020. O garoto estava na casa da tia e, segundo a família, dormia no momento do crime. A família relatou que policiais invadiram a casa por volta da 1h e ordenaram que todos saíssem, mas Mizael não ouviu a instrução. O policial alegou que o menino estava armado.
“Meu filho morreu dormindo, inocentemente. Inventaram que ele estava com uma arma, essa arma nunca apareceu porque não existe. Meu filho nunca pegou em uma arma de fogo, era uma criança estudiosa”, afirmou Leidiane Rodrigues, mãe do garoto, em entrevista ao UOL.
Segundo a família, Mizael tinha juntado dinheiro vendendo castanhas para comprar um celular um dia antes do crime. Ele comprou o objeto por R$ 200.