Na cidade de Alvorada, no Rio Grande do Sul, a residência de Mãe Michelly da Cigana, 44 anos, tem chamado atenção.

Tudo começou quando um vizinho compartilhou uma foto do muro da casa no Twitter, revelando uma estátua de Belzebu no topo da fachada. Mãe Michelly explica:

Eu já cultuo Belzebu há nove anos e ele trouxe mudanças significativas na minha vida. Quis colocá-lo na fachada como uma homenagem, uma forma visual de deixar claro que para mim ele é um deus, uma entidade responsável por todas as mudanças positivas que eu tive na minha vida até hoje — e foram muitas”

Segundo Mãe Michelly, sua casa também funciona como um centro religioso, onde Belzebu é uma das divindades cultuadas.

Embora para os cristãos Belzebu seja um nome associado ao diabo, para Michelly e algumas outras religiões, ele é apenas uma divindade que não carrega o conceito de “bem e mal”.

A casa é dividida em três salões, cada um dedicado a uma vertente religiosa diferente: um para mãe Oxum, outro para práticas de umbanda e o terceiro para rituais de quimbanda – onde se encontra o túmulo de Belzebu.

A quimbanda, de matriz afro-brasileira, mistura elementos de diversos sistemas de crenças e tem como uma de suas práticas a manipulação de forças.

Alguns enxergam como algo ruim, algo negativo, mas eu sou testemunha de que não é ruim. Eu peço proteção, saúde, todas as coisas boas que a gente quer para as nossas vidas e eu sou atendida. Então eu quis exaltar o nome dele e dizer que não tenho e nunca vou ter vergonha da minha fé

A estátua instalada na frente da casa é uma representação de Belzebu com corpo humano, asas e cabeça de bode.

Mas não foi essa imagem que primeiro chamou a atenção para Mãe Michelly, que possui mais de 700 mil seguidores no Instagram. Ela também é conhecida por realizar amarrações amorosas e até resolver disputas por herança – rituais controversos em algumas vertentes como a umbanda, que preza pelo livre arbítrio.

Apesar dos comentários nas postagens se dividirem entre elogios e críticas pesadas, a religiosa afirma que não sofre preconceito religioso na cidade onde vive.

Um estudo da UFRGS publicado em 2020 revela que essa tolerância não é mera coincidência. Os dois últimos censos do IBGE apontaram o Rio Grande do Sul como o estado com maior número de afro-religiosos do Brasil, superando até mesmo a Bahia em números proporcionais e absolutos.

De acordo com o levantamento feito em 2010, quando o estado já contava com 1.342 casas de religiões de matriz africana, a quimbanda foi a escolha de 28% dos fiéis gaúchos.

“Minha casa nunca foi alvo de vandalismo ou hostilidade. Nunca tive problema, porque Alvorada é uma das cidades com mais casas da religião no Brasil, é bem tranquilo. Por exemplo, o primeiro túmulo do Brasil da pombagira Maria Padilha foi feito por mim e está aberto à visitação pública, no Cemitério Municipal”, conta Mãe Michelly. Pombasgiras são entidades de religiões de matriz afro-brasileiras incorporadas por médiuns. Alguns sacerdotes as veem como mensageiras dos orixás, que assumem diferentes personalidades.

Mãe Michelly adquiriu a estátua de Belzebu de um artista gaúcho por R$ 5.000. A estrutura de vidro que a protege custou mais R$ 10 mil e a base de concreto que a sustenta, outros R$ 5.000.

“Eu sou uma mãe de santo muito focada em agradar a entidade, nem imaginei que ia causar toda essa repercussão. Quando coloquei a imagem ali, foi para agradar meu senhor. Para mim, ele é um rei. Uma entidade que está acima de tudo e que me traz todas essas coisas positivas e boas”, afirma.

Ela também acredita que Belzebu teve influência no sucesso de sua imagem nas redes sociais, especialmente às vésperas da Sexta-feira Santa, data que relembra o calvário de Cristo e que também é importante na casa de quimbanda.

“O túmulo de Belzebu é aberto apenas na Sexta-feira Santa, quando eu alimento e fortaleço essa energia dele. Eu acredito que toda essa repercussão é obra dele, do espiritual”, diz a religiosa, deixando claro que os outros salões de sua casa não têm relação com a entidade.

“Belzebu está conectado apenas à quimbanda. Eu também sou mãe de santo, umbandista, mas são religiões diferentes e eu estou apta a executar todas.”

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