Frei Gilson, um religioso da ala ultraconservadora da Igreja Católica e considerado um verdadeiro popstar com milhões de seguidores nas redes sociais, tornou-se o epicentro da polarização política no Brasil.
Gilson da Silva Pupo Azevedo, conhecido como frei Gilson, ganhou notoriedade ao reunir mais de 1 milhão de fiéis em uma live realizada na madrugada de quarta-feira, 5, que marcou o início da Quaresma para os católicos.
Com a ascensão do religioso e a propagação de suas pregações, movimentos conservadores começaram a se alinhar com o frade de 38 anos, que faz parte da congregação Carmelitas Mensageiros do Espírito Santo.
Ele é líder do grupo de evangelização musical Som do Monte e mantém uma relação estreita com a Canção Nova, uma rede conservadora católica no Brasil. No YouTube, conta com 6,4 milhões de seguidores, e no Instagram, já soma mais de 7,3 milhões.
Endosso político e repercussões
No domingo, 9, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) publicou em seu perfil oficial no X (antigo Twitter) uma foto de frei Gilson, sem fazer qualquer comentário. Esse gesto foi interpretado como um apoio tácito ao religioso, que já enfrentou denúncias por envolvimento em tentativas de golpe de Estado armado.
A postagem gerou uma enxurrada de comentários que acusavam a esquerda de perseguição política contra o padre. Em resposta, Bolsonaro afirmou que o católico “se apresenta como um fenômeno em oração, reunindo milhões pela palavra do Criador” e, por isso, “vem sendo atacado pela esquerda”.
O deputado evangélico Nikolas Ferreira (PL-MG), um dos parlamentares mais influentes nas redes sociais, também expressou apoio a frei Gilson no mesmo domingo, compartilhando um vídeo em solidariedade aos católicos.
“Começaram os ataques. Para quem é cristão, isso é algo natural, ser atacado por seguir a Cristo. Claro que, sendo católico e eu evangélico, temos nossas diferenças teológicas. Mas o conheci pessoalmente, e é uma pessoa extraordinária”, afirmou o deputado.
Ataques digitais
A militância digital do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou uma campanha contra o católico ultraconservador.
O grupo “Militância Raiz”, no Telegram, composto por influenciadores alinhados ao governo e petistas, focados em defender o governo e atacar adversários com informações distorcidas ou falsas, publicou no sábado, 8, que os objetivos de frei Gilson seriam totalmente bolsonaristas.
A mobilização foi promovida como um “alerta total”. De acordo com a narrativa da militância governista, o religioso seria uma figura manipulada pelo canal Brasil Paralelo, conhecido por defender Bolsonaro e seu revisionismo histórico, com a intenção de “dominar a Igreja Católica”.
Gilson, um verdadeiro fenômeno de audiência, concedeu uma entrevista ao canal em outubro que conquistou meio milhão de visualizações.
“Já ouviram falar nesse tal frei Gilson? Ele é a aposta da Brasil Paralelo, produtora bolsonarista, para TOMAR A IGREJA CATÓLICA, abandonar o culto a Cristo e começar a cultuar o Bolsonaro”, afirma a publicação no grupo “Militância Raiz”.
Aos familiares e amigos bolsonaristas, nem adianta avisar, mas aos familiares de boa-fé, precisamos alertar para se manterem longe desse sujeito. Posso contar com vocês para divulgar por todos os cantos? A extrema direita não vai tomar a Igreja Católica conclui.
O grupo de militância no Telegram já conta com 7,4 mil seguidores, mas suas postagens rapidamente ganham repercussão em outras plataformas e redes sociais. A mensagem, acompanhada de um breve vídeo do frei Gilson, se espalhou por grupos de WhatsApp de petistas e apoiadores do governo Lula.
No entanto, essa estratégia não agrada a parte dos lulistas, que consideram que atacar o religioso é um erro estratégico, especialmente diante das dificuldades do governo em dialogar com segmentos evangélicos e conservadores.
O deputado André Janones (Avante-MG) fez uma crítica contundente neste domingo. “Não basta sermos rejeitados pelos evangélicos, vamos também fazer uma cruzada contra os católicos? Assim, só nos resta contar com os votos dos ateus em um país onde quase 80% da população é católica ou evangélica. Que tal?”, ironizou.
Janones, considerado um estrategista nas redes sociais pela esquerda no combate ao bolsonarismo, acrescentou que os governistas merecem a impopularidade e criticou a arrogância do campo político ao afirmar:
“É impressionante como a arrogância do nosso lado prevalece, mesmo com a impopularidade e a derrota cada vez mais evidente em 2026. Continuamos mirando no jogador e esquecendo a bola”.
O político mineiro está atravessando um período complicado após admitir sua participação no esquema de “rachadinha” e comprometer-se a devolver R$ 131 mil à Procuradoria-Geral da República. Ele alegou que sua situação se deve ao fato de seu nome estar negativado no SPC e na Serasa.
Em meio a essa situação, um influenciador alinhado ao lulismo resgatou uma transmissão realizada por frei Gilson em 2021, em Brasília, e a classificou como uma “live patriota”.
Na gravação, o religioso faz preces para que “os governantes não abusem do poder que vem de Deus” e expressa oposição ao “flagelo da ditadura” e ao “comunismo”, pedindo para que os “erros da Rússia” não atinjam o Brasil. Vinicios Betiol, integrante do grupo “Militância Raiz”, questionou: “Está bom para vocês ou já está claro que estão usando a religião com fins políticos?”.
Entre os apoiadores do governo, nem todos demonstram repulsa ao frade. Na abertura da Quaresma, o ministro Juscelino Filho, responsável pelas Comunicações, compartilhou uma foto recebendo as bênçãos de frei Gilson durante um encontro na Câmara em novembro. Ele escreveu: “Que Cristo possa nos renovar com sua misericórdia e nos conduzir à humildade”.
No último domingo, figuras conservadoras e bolsonaristas também manifestaram apoio a frei Gilson. O influenciador católico conservador Bernardo Kuster publicou um vídeo para seus 546 mil seguidores no X, onde leu uma série de comentários críticos ao religioso, incluindo um que chamava os seguidores da live de frei Gilson de “fiéis encapetados”. “Um recadinho para a turma da lacração. Podem chorar, reclamar. Mas o frei Gilson, até o fim da Quaresma, vai bater 2 milhões de pessoas ao vivo simultaneamente”, afirmou.
Frei Gilson foi um dos quatro religiosos mencionados pela Polícia Federal nas investigações relacionadas a um golpe de Estado. Seu nome aparece como alguém que teria recebido mensagens do padre José Eduardo de Oliveira e Silva, também investigado pela PF por seu suposto envolvimento no esquema golpista.
Em 3 de novembro de 2022, José Eduardo enviou a frei Gilson, via WhatsApp, uma mensagem que foi descrita pela Polícia Federal como uma “oração ao golpe”.
Na comunicação, ele pedia que todos os brasileiros, tanto católicos quanto evangélicos, incluíssem nas suas orações os nomes do então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e de outros 16 generais, rogando a Deus que lhes concedesse coragem para “salvar o Brasil” e agir com “consciência histórica”.
José Eduardo é citado 74 vezes no relatório da PF. Segundo as investigações, ele colaborou com o ex-assessor internacional de Bolsonaro, Filipe Martins, e o advogado Amauri Saad na elaboração de um esboço para um golpe de Estado.