Figura central na acusação da Procuradoria-Geral da República, que identifica Jair Bolsonaro como cabeça de uma tentativa de golpe, o tenente-coronel Mauro Cid tem se isolado ainda mais no Setor Militar Urbano, em Brasília.
Localizado a apenas nove quilômetros do Palácio do Planalto, onde trabalhou por quatro anos, o oficial mantém as janelas sempre fechadas para evitar ser fotografado e raramente sai de casa.
Vizinhos observaram que ele foi visto recentemente fazendo uma breve caminhada de menos de cinco minutos até um restaurante que vende marmitas. “Minha vida acabou“, disse Cid à Justiça em 22 de março de 2024.
O restaurante Costelita, frequentado principalmente por oficiais de alta patente, é onde Cid parece “abatido e arredio”. Ele não interage com ninguém, apenas pega as embalagens e volta para casa, que fica do outro lado da rua.
Em uma tarde de dezembro de 2024, um general estava por perto quando o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro comprou duas quentinhas por R$ 45.
O general tentou cumprimentá-lo, mas sem sucesso; ele comentou que Cid estava “tão focado em entrar e sair rapidamente” que não notou a saudação.
Delação premiada e suas consequências
A delação premiada do tenente-coronel teve seu sigilo revogado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) há dez dias, após o procurador-geral da República, Paulo Gonet, solicitar uma ação penal contra Bolsonaro, Cid e outras 32 pessoas por tentativa de golpe.
Um dos termos do acordo inclui o uso de tornozeleira eletrônica, o que explica por que Cid usa calças compridas nas raras vezes que sai. A defesa não respondeu aos contatos.
Amigos próximos afirmam que o ex-ajudante de ordens “não confia mais em ninguém e está isolado”. Na segunda-feira, dois militares estavam encarregados da segurança da rua onde mora o tenente-coronel. Apenas veículos dos moradores e pedestres são permitidos, com 500 metros da via bloqueados por cones.
Um vizinho que costumava visitar Cid mencionou que ele se tornou gradualmente “paranoico”, desconfiando até mesmo de familiares e amigos próximos. Ele acredita que essas pessoas estão passando informações para a polícia e a imprensa.
Começou a usar rotas diferentes ao sair de casa suspeitando que seu carro é monitorado. Uma fonte próxima disse que ele sente ser “monitorado 24 horas por dia”.
A revelação da delação trouxe “alívio”, segundo outra fonte. O militar e seus advogados acreditam que as mensagens divulgadas reforçam a ideia de que ele era “apenas um executor de ordens e mensageiro”.
Além disso, Cid não precisa mais lidar com incertezas sobre o conteúdo das declarações. No entanto, se for processado, suas chances de promoção ao posto de coronel serão prejudicadas.
Cid enfrentou duas detenções: uma entre maio e setembro de 2023 e outra de março a maio de 2024. As investigações sobre o esquema golpista afetaram profundamente sua vida.
Mensagens recuperadas do seu celular abriram novas linhas para a investigação e, enquanto estava detido no Batalhão da Polícia do Exército em Brasília, ele assinou uma delação premiada homologada em setembro de 2023.
No dia 11 de novembro daquele ano, foi visto pela primeira vez após ser liberado. Questionado sobre sua rotina pelo jornal O GLOBO, respondeu brevemente: “Está tudo tranquilo.”
A calma foi breve; em março de 2024, a revista Veja divulgou áudios nos quais Cid criticava a atuação da Polícia Federal e do ministro Alexandre de Moraes, relator da investigação no STF. Ele foi detido novamente. A defesa argumentou que as gravações eram apenas um “desabafo”. Dois meses depois, ele foi liberado.