A borboleta voava alto enquanto acompanhava o burro e pensava como poderia um ser tão forte e belo percorrer o descampado tão cabisbaixo e sem ânimo. “Ah, se eu fosse como ele poderia repousar tranquilamente para apreciar este belo céu sobre nós!”
O burro em sua busca de alimento pelo descampado assistia o borboletear da sua companheira e pensava: “Ah, se eu pudesse voar sobre os prados! Teria a melhor alimentação para este corpo cansado e não voaria em vão!”
Dois longos suspiros ouviu-se na bela paisagem. “Ah, como eu queria ser forte e pousar!”, pensava a borboleta. “Ah, como eu queria ser leve e voar”, retrucava o burro em pensamento. “Para fazer tudo diferente”, pensavam ambos em complemento. Eles gostavam da companhia. Entretanto, com a convivência, incomodavam-se em tentar entender o que o outro fazia, sem perceber que o fazer era fruto do ser. Faltavam-lhes o exercício da observação sem julgamentos, a humildade de mesmo aceitando como se é, entender o outro e com ele aprender.
Um dia, já cansado de tanto borboletear, o burro acordou disposto a perguntar o porquê de tanto alarido.
Mas, ao olhar na direção da borboleta, percebeu que a sutil brisa que lhe dava ânimo para continuar a árdua caminhada sob sol escaldante vinha do balançar das suas asas e ela pode entender que, ao baixar a cabeça e farfalhar as folhas, o burro lhe fazia chegar às narinas uma fragrância extremamente agradável, que a inspirava a voar mais alto e feliz.
A partir desse momento, uma aliança silenciosa e feliz fez aqueles improváveis companheiros de jornada se unirem ainda mais.
Com o passar do tempo, ela entendeu que as costas e pernas rijas que tanto admirava eram fruto do excesso de carga em que o burro tropeçou ao longo da sua caminhada. Cada graveto e pedra daquele cesto trouxera-lhe força. Mas, mesmo abandonados, doíam-lhe as costas e pesavam-lhe os ombros.
Já ele percebeu que todo espalhafato de leveza e cor, que ao mesmo tempo o impressionava e o chocava, era resultado das transformações que ela se submeteu pelo caminho.
Se hoje voava altiva foi porque em tempos remotos, ela precisou rastejar e montar seu próprio casulo para se proteger da fragilidade.
Ao aprofundarem o entendimento de que peso e leveza, singeleza e dramaticidade, força e graciosidade são adquiridas nas experiências que tiveram, até se encontrarem nesse prado. Ao vislumbrarem o mundo alheio, encantaram-se e ficaram mais próximos a ponto de encontrar o equilíbrio entre céu e terra. Assim, algumas vezes o burro se esquecia dos cestos deixados para trás e as pedras que o chão poderia ter e apreciava com a borboleta as cores do céu, sem se importar com qualquer dificuldade que pudesse vir a passar.
Ela, por sua vez, percebeu que para cintilar não era preciso voar tanto e tão alto e pousar no chão que inspira o burro a continuar não a faria voltar a rastejar. E, juntos, seguiram pelo prado afora a enamorar.