Todos os dias, eu me olho no espelho. Retorno para dentro de mim, ao meu olhar bem nos olhos. A viagem para dentro de mim dura pouco mas é intensa.
Eu não tenho medo do que posso vir a encontrar. De repente, toda a minha coragem que, muitas vezes, desaparece, por mais incrível que possa parecer ,vem à tona.
Pode ser o sentimento, o combustível necessário para que isso aconteça, pode ser a minha curiosidade falando mais alto. Não sei.
O outro assim como nós carrega em si uma sombra. Todo o mundo tem potencial para nos machucar. Essa sombra pode um dia vir à tona, de uma vez só ou aos pouquinhos.
Não podemos evitar. À medida que criamos laços de confiança nos sentimos confortáveis para deixar-se revelar a nossa sombra ao outro. Da mesma maneira, depois que o primeiro encanto se vai, passamos a ver o outro com um olhar mais real. É como a primeira garfada que damos à uma fatia de bolo. Nos surpreendemos. Tudo é novo. O sabor, a consistência, o aroma e os ingredientes. Se o bolo for mesmo delicioso e bom, comeremos toda a fatia e repetiremos. Talvez comeremos todo o bolo ou vamos elegê-lo como o nosso bolo preferido ou o melhor de todos os bolos que provamos em nossa vida até aquele momento. E nos apaixonaremos. Amaremos.
Mas há bolos que provamos e com o tempo se tornam um sofrimento terminar nem que seja a única fatia da qual nos servimos! Temos que ter a coragem de encarar que se o sabor não nos agrada, que há nele algum ingrediente que não gostamos, se a consistência não nos é agradável, se o aroma nos enjoa, possivelmente isso não mudará com o tempo. É muito provável que por mais que a apresentação do bolo seja do nosso agrado, se o restante de tudo o que falei não nos fizer bem ou não nos agradar em alguma medida, com o passar do tempo nos esqueceremos do que gostamos no início e vamos passar a odiá-lo.
Não se contente em provar de bolos dos quais não gosta e passar o resto da sua vida acomodado com o que não o satisfaz.
É como o primeiro olhar. Não sabemos explicar, mas tudo fica melhor quando é sentido de verdade e quando nos arrebata na primeira ou nas garfadas seguintes.
Essa sombra pode parecer nada importante quando estamos encantados pelo que nos apresenta o ser amado. Mas devemos estar preparados. Num mundo onde tudo o que hoje é, amanhã pode já não ser mais, devemos contar que as sombras que cada um de nós esconde e ignora no outro podem vir a nos afastar ou nos aproximar (não posso perder as esperanças).
Um dos livros que menos gosto é do livro O Pequeno Príncipe. Agora, provavelmente, eu devo causar um espanto em muita gente. Dizer uma coisa dessas é bem um motivo forte para romper ou balançar amizades e amores.
Vou me explicar. O livro é mesmo muito bom. Confesso. Tem lá pensamentos e diretrizes que podem guiar uma vida e uma nação inteira. Fazer do mundo um mundo melhor. Contudo, sou forçada a discordar de algumas coisas porque penso que se não o fizer, estarei na verdade sendo hipócrita comigo mesma. Não dá.
Eu me liberto e dou a mim mesma o direito de não me sentir responsável por aquele que cativo. Sinto-me grata, perdidamente apaixonada por essa maravilha que é ser cativada e cativar que nos é dada como uma das coisas mais lindas que já experimentei. Mas ser responsável é realmente demais. Ser responsável significa algemas e um peso que não posso suportar sozinha. Deixa-me desconfortável e já não sei responder à questão.
Não posso ser responsável pela dor dos outros. Não posso ser responsável por em encantar e nas suas sombras eu me desencantar. Não posso ser responsável por quem se encanta por mim.
Ninguém deve se sentir amarrado. Nem alimentar culpas. Nem alimentar amores que depois não pode vir a manter. Então, de repente, o Pequeno Príncipe, nesse ponto, está certo. E, chego à conclusão de que as intenções é que devem ser analisadas. São estas as responsáveis por determinar se tudo está em nossas mãos ou se as podemos dividir. As intenções vivem na maior parte do tempo nas sombras que escondemos. Por isso, cuido sempre ao provar daquela fatia de bolo.
Vai que depois eu me perca em seus braços e você me deixe ou eu o deixe, porque as sombras nos invadiram, as intenções se tornaram outras e só nos sobre o Pequeno Príncipe para nos consolar ou, pior, para nos apresentar a culpa dos amores não resolvidos, dos amores não correspondidos ou dos amores que duram menos do que tínhamos pensado ou sonhado lá no início, um pouco antes ou um pouco depois do primeiro encontro dos seus lábios nos meus?
Direitos autorais da imagem de capa: wall.alphacoders / 740428